... No outro dia a casa do Miranda estava em preparos de festa...

... No outro dia a casa do Miranda estava em preparos de festa. Lia se no “Jornal do Comércio” queSua Excelência fora agraciado pelo governo português com o título de Barão do Freixal; e como os seus

amigos se achassem prevenidos para ir cumprimentá-lo no domingo, o negociante dispunha-se a recebê-
los condignamente.

Do cortiço, onde esta novidade causou sensação, via-se nas janelas do sobrado, abertas de par em
par, surgir de vez em quando Leonor ou Isaura, a sacudirem tapetes e capachos, batendo-lhes em cima
com um pau, os olhos fechados, a cabeça torcida para dentro por causa da poeira que a cada pancada se
levantava, como fumaça de um tiro de peça. Chamaram-se novos criados para aqueles dias. No salão da
frente, pretos lavavam o soalho, e na cozinha havia rebuliço. Dona Estela, de penteador de cambraia
enfeitado de laços cor de rosa, era lobrigada de relance, ora de um lado, ora de outro, a dar as suas ordens,
abanando-se com um grande leque; ou aparecia no patamar da escada do fundo, preocupada em
soerguer as saias contra as águas sujas da lavagem, que escorriam para o quintal. Zulmira também ia e
vinha, com a sua palidez fria e úmida de menina sem sangue. (...) Entretanto, a figura gorda e encanecida

do novo Barão, sobre-casacado, com o chapéu alto derreado para trás na cabeça e sem largar o guarda-
chuva, entrava da rua e atravessava a sala de jantar, seguia até a despensa, diligente esbaforido,

indagando se já tinha vindo isto e mais aquilo, provando dos vinhos que chegavam em garrafões,
examinando tudo, voltando-se para a direita e para a esquerda, dando ordens, ralhando, exigindo
atividade, e depois tornava a sair, sempre apressado, e metia-se no carro que o esperava à porta da rua.
— Toca! toca! Vamos ver se o fogueteiro aprontou os fogos!
(...)
Ah! ele [João Romão] esse dia estava intolerante com tudo e com todos; por mais de uma vez
mandara Bertoleza à coisa mais imunda, apenas porque esta lhe fizera algumas perguntas concernentes
ao serviço. Nunca o tinha visto assim, tão fora de si, tão cheio de repelões; nem parecia aquele mesmo
homem inalterável, sempre calmo e metódico.
E ninguém seria capaz de acreditar que a causa de tudo isso era o fato de ter sido o Miranda
agraciado com o título de Barão.
Sim, senhor! Aquele taverneiro, na aparência tão humilde e tão miserável; aquele sovina que nunca
saíra dos seus tamancos e da sua camisa de riscadinho de Angola; aquele animal que se alimentava pior
que os cães, para pôr de parte tudo, tudo, que ganhava ou extorquia; aquele ente atrofiado pela cobiça e
que parecia ter abdicado dos seus privilégios e sentimentos de homem; aquele desgraçado, que nunca
jamais amara senão o dinheiro, invejava agora o Miranda, invejava-o deveras, com dobrada amargura do
que sofrera o marido de Dona Estela, quando, por sua vez, o invejara a ele. Acompanhara-o desde que o
Miranda viera habitar o sobrado com a família; vira-o nas felizes ocasiões da vida, cheio de importância,
cercado de amigos e rodeado de aduladores; vira-o dar festas e receber em sua casa as figuras mais
salientes da praça e da política; vira-o luzir, como um grosso pião de ouro, girando por entre damas da
melhor e mais fina sociedade fluminense; vira-o meter-se em altas especulações comerciais e sair-se bem;
vira seu nome figurar em várias corporações de gente escolhida e em subscrições, assinando belas
quantias; vira-o fazer parte de festas de caridade e festas de regozijo nacional; vira-o elogiado pela
imprensa e aclamado como homem de vistas largas e grande talento financeiro; vira-o enfim em todas as
suas prosperidades, e nunca lhe tivera inveja. Mas agora, estranho deslumbramento! Quando o vendeiro
leu no “Jornal do Comércio” que o vizinho estava barão — Barão! — sentiu tamanho calafrio em todo o
corpo, que a vista por um instante se lhe apagou dos olhos.
— Barão!
E durante todo o santo dia não pensou noutra coisa. “Barão!... Com esta é que ele não contava!...”

PERGUNTA

As ações narradas no fragmento do capítulo X e seus desdobramentos giram em torno de dois personagens importantes de “O cortiço”: João Romão e Miranda. Analisando o papel que cada um desempenha na história, responda: quem é o protagonista e quem é o antagonista? Justifique sua resposta.

1 Resposta

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thayaraoliversantos

assim gbugbiv dhvzt

assim

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