O RATO E O CANÁRIO Homem com fome, o que é comum; sem comida p...

O RATO E O CANÁRIO Homem com fome, o que é comum; sem comida para satisfazer sua fome, o que também não é raro. Aparência modesta, mas digna; barba por fazer; cara de necessidade. Levava uma sacola. Passou pelo restaurante também modesto, com qualquer coisa de simpático – a cor das paredes, talvez – e entrou, foi direto ao gerente, na caixa: - Desculpe... Se lhe disser que há cinco dias eu não como propriamente, só estarei falando a verdade. Mas o senhor não vai acreditar. - Por que não? - Sinto que é compreensivo. - Também já passei dias sem levar um bocado à boca, e sei que não é nada divertido. - Então eu queria lhe pedir... - Não precisou explicar. O gerente chamou o garçom: - Sirva alguma coisa a esse senhor. Por conta da casa. E voltou-se para o recém-chegado: - Hoje é o meu dia de ajudar o próximo. Aniversário da minha santa mãezinha, que Deus a tenha. O homem sentou-se, comeu lentamente saboreando o prato simples que uma senhora desconhecida e falecida lhe despachava do céu. Acabando, voltou à caixa: - Claro que não posso lhe pagar, o amigo sabe. Mas agradecer de coração, isso eu posso. - De nada, ora essa. - Mas não vou embora sem lhe provar de alguma maneira minha gratidão. Tenho aqui uma curiosidade, que o senhor vai apreciar. Tirou da sacola um piano minúsculo e um ratinho, e disse a este: - Toque, Evaristo. Evaristo não se fez de rogado, e executou um trecho de pour Elise com bastante sensibilidade. - É fantástico! – Exclamou o gerente. – Nunca vi coisa igual. - Tem mais. O senhor ainda não viu o meu canarinho. Surgiu da sacola um canário-da-terra, dócil à convocação. - Aquela modinha, Sizenando. Com acompanhamento de piano por Evaristo, Sizenando atacou: É a ti, Flor do Céu, arrancando discreta lágrima do gerente. - Que beleza! Mas o senhor, não leve a mal eu perguntar, com esse tesouro nas mãos, precisa viver desse jeito? - Ah, meu amigo, não posso, não devo explorar esses inocentes. Como é que iria mercantilizar os dons do Evaristo e do Siza, que considero meus filhos, de tanto que eu gosto deles? Diante do gerente boquiaberto, o homem retirou-se com a sacola e seu conteúdo. Foi andando pela rua. De repente estacou, preocupado. - Eu não devia ter feito isso com um cara tão generoso, que me matou a fome. Voltou ao restaurante, onde o gerente o recebeu com surpresa: - Esqueceu alguma coisa? Não vai me dizer que, cinco minutos depois está novamente com o estômago vazio? Ou pensou melhor, e quer me vender os dois artistazinhos e mais o pianito? - Nada disso. Vim por uma questão de consciência. - Como disse? - Questão de consciência. O senhor foi tão legal comigo... - E daí? - Daí que eu não tinha o direito de fazer o que fiz. - E que fez o amigo senão me regalar com o seu par de artistas que me fizeram subir águas nos olhos? - Por isso mesmo. O senhor se comoveu com a audição, mas não é justo que continue iludido num ponto fundamental. - Cada vez percebo menos. Desembuche, homem! - O seguinte. Eu enganei o senhor. O Siza não canta coisa nenhuma, é um canário bobo, faz aquela figuração toda, mas quem canta mesmo é o Evaristo, que é ventríloquo. Este caso me foi contado por amigo merecedor de crédito, mas fico na dúvida se não será criação de algum escritor, adaptada ao modo de ser carioca. Nesse caso, que o autor me perdoe o avanço em sua obra.

o texto é literário ou não literário? explique.​

1 Resposta

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Santosmanuele

É um texto literário, pois tem finalidade de entreter o leitor.

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